Kpac: o templo de Osiris

O Paraíso é aqui. Quero ir além da rocha do abismo e adentrar nos vitrais da atmosfera de pedra para retornar ao meu lar, onde fecunda na viscosidade meu sarcófago adormecido. Não quero viver no paraíso. Quero o mundo etéreo. Onde a tecnologia transformou a matéria em feixes de luz. Quando este estágio passar retornarei de onde venho, para reencontrar meu amor celestial que guia com olhos de águia meu corpo celestial adormecido. Então vivenciaremos os fluidos do ensinamento de uma vida orgânica limitada. Para um dia retornarmos ao paraíso para fazer dele também uma extensão do mundo etéreo. Na torre onde repousa o sarcófago, um vitral transmite uma deslumbrante cidade sideral onde o edifico de menor proporção segue um padrão de uma Eiffel. São 200 andaimes até o chão, amigos e parentes compartilham o terceiro olho na comunicação transcendental entre os terrestres e os siderais. Do outro lado da urna segue uma cúpula de água onde os casais se encontram para festejar a liberdade conscientizacional. Porque são eternos, não precisam de consertos, eles já têm tudo o que precisam para viver. Apenas interpretam o primitivo para embarcarem em paraísos e assim levar um pouco mais de amor por onde passarem.

Quando os primeiros colonos migraram para Paraíso a atmosfera ainda estava muito densa. Os corpos originais foram conservados em processos criogênicos. Então optou-se por uma relação de especialização do trabalho onde cada cacefalano migrado para um corpo compatível com Paraíso era uma unidade autônoma exclusiva para sentir o ambiente. Durante o processo de interação e pós-desacoplamento do corpo orgânico terrestre ou anfíbio os corpos eram catalogados para exames detalhados no sentido de aprimorar sua mecanicidade. Quando o processo de degustação do ambiente acabou, os cientistas elaboraram uma sintonia fina com as fases de aclimatação do ambiente. Os Cacefalanos transferiram os conhecimentos necessários para cada espécime para sua sobrevivência, optando por um complexo sistema de divisão de tarefas. Com o passar do tempo, o meio primitivo de interação desagradou muitos colonos gerando desavenças entre eles. Surgiram guerras sucessivas devidas os interesses difusos. Assim, Paraíso sofreu novamente uma intervenção, no qual ficou definido que a divisão do conhecimento primeiro passaria para um grupo que se responsabilizaria pelo repasse das informações aos demais. Desta forma todos os seres humanos de Paraíso perderam suas recordações de vidas passadas. Uma triste decisão que limitava e evitava perseguições e guerras sucessivas. Porém com a estruturação da colônia, princípios orgânicos e de preferências criaram descontentamento entre os colonos que se sentiam à margem da saga humana em Paraíso. Novos ciclos de guerra ocorreram e parte da essência Cacefalana ficou aprisionada na colônia pela degeneração do material genético devido às sucessivas explosões atômicas que minaram as conexões energéticas que permitiam o correto acoplamento com os corpos em criogênise. Cacéfalo migrava para o grupo escolhido ensinamentos e conhecimentos necessários para o desenvolvimento. Alguns membros eram escolhidos a esmo para representar fisicamente o novo padrão de conhecimento migrado através da mente. Se o conhecimento testado não representasse uma involução para a humanidade então gradativamente o conhecimento era migrado para os que estavam na periferia do processo. Se o conhecimento testado fosse reprovado, os colonos-cobaias que absorveram as informações eram descartados para não contaminar biologicamente e psicologicamente os demais para que um novo ciclo-guerra não fosse estabelecido. Cacéfalo garantia aos eliminados novo regresso a corpos terrestres, mas todo o processo era realizado sem que os escolhidos soubessem das diretrizes testadas, isto para tornar tão real o experimento que o resultado pudesse refletir o comportamento social esperado. Depois estes meios de transmissão de conhecimento tornaram-se mais complexos,...

A vida em Cacéfalo é dedicada à interpretação dos signos. Os orz, assim chamados os praticantes, instalam blocos de informações nanotecnológicas através de sensores de luz canalizados diretamente na direção dos sentidos. Não é um aparelho móvel que se encontra em cima de um objeto dentro de um apartamento, mas uma torre de comunicação na parte central da cidade que emite ondas eletromagnéticas por toda a cidade. Estas ondas conectam a zona cerebral que coordena as funções somatossensoriais dos habitantes. Os orz canalizam as informações do banco de dados da Torre diretamente para seu cérebro criando níveis variados de manifestação do pensamento conforme a necessidade do usuário. A intensidade de transmissão da Torre é tão elevada que é possível para um praticante experiente transmutar suas próprias moléculas, variando sua forma, tamanho e fisionomia orgânica, além de criar universos paralelos (janelas de simulação de realidade) semelhante a ambientes virtuais de sonho onde é possível moldar inicialmente uma transformação para em seguida implementá-la sobre o próprio corpo ou algum composto tridimensional próximo do manipulante. É comum a interpretação do sentimento alheio pela instalação da realidade simulada diretamente no cérebro do praticante. Por esta razão as pessoas são mais próximas e as informações não dão margens a falsas interpretações. Os sentimentos dos seres primitivos são analisados com frequência, existe um código de ética que não permite um upgrade substancial em um ser de pouca vivência intelecto-emocional para que sua evolução não seja prejudicada. Quando vários orz aprovam um método para melhorar o processo cognitivo (de formação do pensamento) de uma raça eles encaminham frequências para o astro rei do sistema planetário encaminhando aos seres que necessitam de ajuda as suas ondas. Elas são ricocheteadas do sol para os planetas até atingir o alvo, ou seja, a estrutura biológica que tem o código de formação genética capaz de apenas ela absorver a tecnologia de transmissão de dados.

Para agradecer os ensinamentos repassados os antigos egípcios construíram um grandioso templo de duas entradas cujos vitrais formavam cada um, um arco onde as extremidades eram voltadas para dentro (côncavo). As duas entradas davam acesso cada uma a um salão oval idêntico.

Na frente da entrada uma Córnea, ou seja, um vitral translúcido filtrava a passagem da luz para que o interior do templo pudesse refletir a beleza exterior. Na parte exterior do templo era sustentado por uma caixa colossal denominada de órbita devida seu encapsulamento da região interna do templo.

Após a córnea, a luz refletida passava por uma Câmara Anterior cujas paredes eram revertidas com um líquido viscoso chamado humor aquoso que tinha como propriedade de manter a pressão das colunas da Câmara Anterior. Um engenheiro do templo idealizou um canal circular que recebeu seu nome em sua homenagem, chamado de Canal de Schlemm, que servia para drenar o líquido humor aquoso.  Para proteger a córnea foi desenvolvida uma túnica conjuntiva, ou seja, uma membrana mucosa capaz de fazer circular mecanismos de lubrificação da Córnea, tornando-a autolimpante.

Os egípcios projetaram logo após a Câmara Anterior um lindo vitral colorido suspenso. Em menção à Deusa Íris a porção da imagem colorida recebeu seu nome pela tamanha beleza quando a luz nela era refletida. Para o controle dos raios solares foi desenvolvido uma espécie de estrutura móvel circular que auto ajustava-se com a luz, no interior da Íris, recebendo o nome de Pupila. Quanto maior a intensidade da luz, maior a Pupila se contraia, e, quanto menor a intensidade da luz maior era a dilatação da Pupila. E para simbolizar a paz na porção externa que envolvia a Íris e a Pupila criou-se uma túnica externa branca chamada de Esclera.

Após este vitral suspenso outra estrutura convexa, mais internamente, foi exposta para filtrar ainda mais a passagem da luz, ela recebeu o nome de Cristalino por sua aparência translúcida. Uma zona periférica ciliar foi desenvolvida para que o núcleo, a cápsula e as fibras do vitral Cristalino ficassem suspensos.

Era necessário que o Cristalino ficasse em posição de inércia em relação à luz que adentrava ao templo, então os engenheiros egípcios criaram uma segunda câmara chamada de Câmara Posterior que também possuía seu líquido Humor Aquoso. As combinações angulares entre os líquidos de Humor Aquoso das Câmeras Anterior e Posterior eram determinantes para a passagem da luz para o salão do templo (Corpo Vítero). Havia um sistema de pesos e contrapesos chamados de Zônulos Ciliares cuja compressão ou relaxamento geravam as combinações angulares de acordo com o ângulo desejado para absorver a luz.

Para impedir que a luz profana que não era vinda diretamente de Osiris criou-se uma camada bloqueadora de raios profanos, aqueles não provenientes do foco da luz, chamada de Coroide sustentada por vasos de pigmentos sanguíneos que também servia de essência para a vida do templo.

O salão oval, também esférico, que se formava após o Cristalino, tinha internamente em sua primeira camada, na região frontal, um revestimento chamado de Ora Sarrata, este era envolto por dois tensores chamados de Tendão do Músculo Reto Lateral (parte frontal superior) e Tendão do Músculo Reto Medial (parte frontal inferior).

Sobre o salão esférico foi acondicionado pontos amarelos (mácula lútea) compostos por cones e bastões (bastonetes) quase cristais onde a luz canalizada pelo Cristalino acabava por incidir sobre eles. Na parte interior-posterior do salão nobre, uma camada de quase cristais era responsável pelo melhoramento da percepção da imagem que advinha do Cristalino (Fóvea).

Os egípcios antigos entendiam bastante de física, sabiam que quando a luz saíia de um meio, por exemplo, o ar, e passava por outro meio de densidade diferente ocorria uma deformação no espectro da luz, mas que a informação principal da imagem não era perdida, havendo apenas necessidade de canalizar um conjunto de espelhos que refletisse internamente no templo a imagem em que Osiris havia transmitido para seus discípulos. Logo, a imagem que entrava pela Córnea ao passar para o interior do salão oval-esférico era refletida nos quase cristais da Fóvea registrando uma imagem sensorial miniatura sobre a mensagem de Osiris enviada diretamente de Orion.

O salão nobre do Templo (Pirâmide) chamado de Retina o sentido da luz era inverso a direção dos impulsos que iriam gerar a imagem-mensagem de Osiris em relação à posição dos quase-cristais. A luz passava por toda a Retina encontrando-se com a Fóvea e ao retornar, era retida por estruturas de segmentação refratária (Bastonetes) que diluíam suas propriedades básicas, em seguida para sistemas de chaveamento para distribuição de sinais (Células Bipolares), para chegar a cones de divisão mínima para o impulso visual da mensagem de Osiris. As segmentações eram captadas por último por mecanismos seletores (Células ganglionares), sendo transmitida para aferências como em circuitos integrados diretamente para a estátua de Osíris onde havia por cima de sua cabeça um grande Olho que gerava a imagem-mensagem captada.

Toda a pessoa que era um Osirificado caso um dia perdesse sua visão, bastava entrar no templo conectar-se a todos as antessalas para que sua visão fosse devolvida novamente.

Assim digo, assim foi feito, assim se cristaliza a história dos cacefalanos.

Kpac

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